Matteo Bonfitto destaca em seu texto “O ator
compositor” processos perspectivos sensoriais e intelectuais do ator importantíssimos
para uma composição artística teatral, com eixos de ações físicas de
Stanislavski a Barba.
3. O ator compositor
3.1. improvisação: Espaço Mental – método -
Instrumento
Utiliza-se o conceito “mental” enquanto
relativo às experiências espirituais, e que está ligado, nesse caso, à
“inversão de cogito” presente nas elaborações de Sartre e Merleau-Ponty. O
“existo, logo penso”, levando à instauração de uma tensão dialética entre o “em
si” e o “para si’, gera por sua vez uma espiral fenomenológica que não tem um
ponto de chegada estabelecido, pois o “para si” é “sustentado por uma perpétua
contingência, uma contingência perpetuamente evanescente”. (p. 125)
A improvisação enquanto “espaço mental” pode
gerar ações a partir de diferentes matrizes em um mesmo espetáculo. Ela pode
envolver a tradução em ações de outra forma de arte, como a pintura, escultura,
música ou literatura; pode envolver a tradução em ações de experiências
pessoais abstratas ou complexas; pode envolver a tradução em ações de
diferentes conteúdos, conceitos, temas... (p.126)
Na improvisação enquanto “método” o processo de
criação tem como suporte, geralmente, conteúdos elaborados através de temas,
situações... Também aqui o ator deve eventualmente ter uma “competência
intersemiótica”, devendo traduzir conceitos em ações. O ator, também nesse
caso, deverá preencher de sentido não somente as ações, como também as
transições existentes entre elas. [...] (p.126)
Na improvisação como “instrumento” podemos
reconhecer a existência de diferentes modalidades. Também nesse caso, a
improvisação pode ser um canal de tradução de diferentes matrizes. Porém, a sua
diferença em relação à improvisação enquanto “espaço mental” ou “método”
consiste na presença, nesse processo, de uma intencionalidade já constituída.
(p. 126)
A improvisação em Stanislávski,, na aplicação
do Método das Açoes Física, em Meierhold, Tchékhov e Brechet, podemos
reconhecer a presença de práticas improvisacionais construtoras dos aspectos
constitutivos da identidade de personagem. (p.127)
A improvisação em Laban, Decroux, Barba,
Grotóvski e no Kabuki, podemos reconhecer práticas improvisacionais que buscam
ainda a construção de uma identidade, mas que diferencia da primeira, à medida
que, em tais casos, parece estar presente um outro conceito de ser ficcional: o
actante. (p.127)
3.2. A personagem e o actante: ainda a unidade
psicológica?
Como sabemos não existe o “teatro”, existem
“teatros”. Teatros muito diferentes entre si, que se utilizam de diferentes
matrizes no processo de criação do próprio fenômeno. Há teatros que partem do
texto dramático, outros de imagens coletadas, outros de experiências vividas,
outros ainda de técnicas já constituídas... (p.127)
Primeiro texto – personagem indivíduo
[...] Nela vemos personagens que têm, cada uma,
um nome próprio. Elas dialogam, e revelam transições repletas de nuances
psicológicas através de suas ações. Ou seja, nesse caso, somos levados a ver a
personagem como “indivíduo”. (p.130)
Texto dois – o texto apresenta dois aspectos –
personagem indivíduo e personagem tipo.
[...] estamos diante de uma estrutura dialógica
inserida em uma situação reconhecível. [...] alguma personagens já não possuem
nomes próprios, tais como o “Capelão” e o “Cozinheiro”. Tal fato, em Brecht,
adquire uma condição precisa. [...] nas personagens caracterizadas pela
ausência de um nome próprio é possível reconhecer a presença de contradições,
como a do capelão que elogia a guerra, mas tais características ligadas a essa
personagem parecem fazer referência, mais do que a um individuo, a uma
categoria ou classe de indivíduos. (p.131)
É interessante notar, além disso, que nesse
texto de Brecht, parecem coexistir personagem-indivíduo e personagem-tipo.
(p.131)
Texto três – outra estrutura – não há uma
estrutura dialógica
[...] outro conceito se faz necessário nesses
casos: é o conceito actante. “O actante pode ser concebido como aquele que
executa ou sofre o ato. [...] O termo actante está relacionado a uma certa
concepção de sintaxe que articula o enunciado elementar em funções[...]”
(p.132)
O actante, articulando o enunciado em funções,
oferece diferentes possibilidades de reflexão sobre o fenômeno teatral, à
medida que, por “enunciado” entende-se qualquer porção de discurso que veicule
um sentido”. Sendo assim, o actante pode envolver não somente seres humanos,
mas também animais, objetos... Ou seja, o actante é “tudo aquilo que atua”.
(p.131)
[...] o contexto e as situações que envolvem as
personagens, os dados e nuances psicológicas extraídos dos diálogos e as
rubricas são alguns dos parâmetros que contribuem para a definição do
desenvolvimento da pratica improvisacional. A improvisação, nesse caso, poderá
ser o canal de construção das ações físicas e vocais que, uma vez relacionadas
com as sequencias de palavras do texto, fará emergir a identidade da
personagem. [...] a improvisação é utilizada como canal de investigação de
aspectos inusitados, estes não presentes explicitamente no texto, a
improvisação poderia estar presentes no processo de criação como “espaço
menta’. Buscar-se-ia, dessa forma, “o desconhecido” a partir de um “aparente”
conhecido. Pode-se citar como exemplo mais recorrente desse processo, todas as
tentativas de releitura dos textos dramáticos ou não dramáticos. (p. 136)
3.3. O ator compositor
[...] reconhecemos a existência de diferentes
práticas improvisacionais e diferentes tipos de seres ficcionais, [...] (p.138)
[...] “Como podemos pensar sobre o conceito de
‘composição’ no caso do trabalho do ator?” (p.138)
“formar de várias partes; entrar na constituição
de; constituir; arranjar; dispor...” Essas são algumas definições do termo
“compor’. Tal termo, assim como o conceito dele derivado – composição – é
amplamente utilizado enquanto instrumento de analise e apreciação artística em
várias formas de arte: Música, Arquitetura, Pintura, Escultura, Dança, cinema.
Alem disso, em função de sua importância, tais conceitos constituíram-se em
disciplinas presentes nos programas pedagógicos dos cursos de formação
artística no mundo inteiro. (p.138)
[...] as pesquisas no campo da arte mostram que
o espontaneísmo é um estereótipo romântico e a consciência dos elementos que
estão envolvidos no trabalho artístico não impedem, mas sim preparam para novas
e inesperadas descobertas. Diante da complexidade dos fenômenos teatrais
contemporâneos. O ator, a fim de ser o criador, precisara compor. Mas para
compor, ele devera ser capaz não só de fazer, mas de pensar o fazer. (p.142)
A composição no trabalho do ator, assim como em
outras formas de arte, coloca em evidencia os aspectos palpáveis de seu oficio.
Porem, ela não deve ser o resultado de uma operação somente intelectual. A
verdadeira composição é aquela que imprime inexoravelmente uma experiência, mas
não expõe as razões de suas escolhas. Deixa somente rastros... (p.143)
Nenhum comentário:
Postar um comentário